27 abril 2008

redoma

Só agora percebo que bem mais importante que conseguir olhar para dentro, por-detrás, para além, e todas essas formas poéticas que significam apenas nós a sós, sem que com isso exista a temida solidão, é o olhar por-de-cima. Deve ser por isso que espanto este repentino parar, que nem sequer foi desejado. E neste recolhimento povoado de sensações de dentro e provocadas pelo exterior, de sons, de lembranças (sorrio neste momento de escrita), brota do sítio dos sonhos um desejo de aninho.
Basta de perturbação e projecção de mal-sentires. Já não me cabe.
Gostava até de deitar fora algumas chaves inutilizadas. As gavetas apodreceram mas existem, e tonteia-me o cheiro a mofo. É uma pena ainda não existir liberdade, e o 25 de Abril é uma grande treta. Ainda assim, penso numa revolução em que a arma seria a palavra crua, verdadeira, sem dó e imensa de mágoa e incompreensão. O cravo seria o olhar, vazio, impenetrável e efeito delay de voz.
Mas logo me detenho. Lembram-me que seria perigoso terminar de vez com jogos de xadrez. Logo eu, que nunca aprendi este maldito jogo. Peões e rainhas e reis e xeque-mate, quero lá saber! Nada se compara á imensa fé que o Amor não vence tudo mas é alquímico e nele só há espaço para água, daquela que rodeia vislumbres de casas-moinhos, ás vezes branca de espuma feita sonhos, outras transparente brilhante, sempre funda para fazer de tanque para corpos amigos que se querem banhar, sempre linha ténue para rodear um ser ou relação que amamos.
E é esta redoma de água: a minha arma, o meu escudo, a minha casa. Tudo o resto perde importância. O que ficou lá atrás, o perigo da incerteza e os pressentimentos de futuro. Que importa, se a água é limpa e logo denota quando existe lodo?
A outra casa, a física, é só espaço. Reunião de pertences e guardião de tudo quanto é passível de ser materializado, ainda que vidas e memórias. Por isso gosto de colchões no chão e a facilidade de ver entrar e estar.
Mas na casa-carinho, na água, a alma e energia que somos, nessa estou alerta, e são passarinhos que me pousam no ombro para avisar do som de passos. E é nesta casa que vivo no meu mais Eu e tão poucos me sabem e encontram.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Este comentário foi removido pelo autor.

29/4/08 01:00  
Anonymous Anónimo said...

Um Amigo

"Há uma casa no olhar
de um amigo.
Nela entramos sacudindo a chuva.
Deixamos no cabide o casaco
fumegando ainda dos incêndios do dia.
Nas fontes e nos jardins
das palavras que trazemos
o amigo ergue o cálice
e o verão
das sementes.
Então abre as janelas das mãos para que
cantem
a claridade, a água
e as pontes da sua voz
onde dançam os mais árduos esplendores.

Um amigo somos nós, atravessando o olhar
e os véus de linho sobre o rosto da vida
nas tardes de relâmpagos e nos exílios,

onde a ira nómada da cidade arde
como um cego em busca de luz."

Eduardo Bettencourt Pinto

17/7/08 01:56  

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